Não diferente de diversas empresas, em meio à instabilidade macroeconômica e austeridade no mundo de investimentos de venture capital, a busca por eficiência se tornou um mantra no ecossistema de startups. Se antes a procura era por se tornar unicórnio, o foco agora é ser uma startup camelo, priorizar o crescimento de forma sustentável e resiliente.
Para se ter uma ideia, nos últimos anos, uma startup poderia levar em média cinco anos para virar unicórnio – empresa avaliada em mais de US$ 1 bilhão de valor de mercado. De 2021 em diante, esta espécie “rara” ficou tão comum e de ascensão tão rápida que algumas startups levaram apenas 12 meses para receber a mágica classificação. Hoje já são mais de 350 unicórnios ao redor do mundo.
Unicórnios são seres míticos e fantásticos, considerados como símbolo de pureza, castidade e força, aparecendo nas narrativas medievais como um animal extremamente dócil e forte. Essa analogia foi aplicada às diversas startups que surgiram com força e posicionamento muito grandes no mercado, conquistando valores de forma bastante rápida, por meio da proposta de disruptura em suas soluções e ganho de mercado e base de clientes.
Diferentemente dos unicórnios, os camelos não são criaturas míticas e fantásticas que vivem no mundo da ficção. Eles são reais, resilientes, até desprovidos de beleza, quando comparados aos unicórnios, mas podem sobreviver nos locais mais inóspitos do planeta. Por mais que a metáfora não seja tão “glamorosa” quanto a adotada até agora, as startups camelos priorizam a sustentabilidade e, portanto, a sobrevivência.
A resiliência (capacidade de suportar fortes pressões externas e internas sem perder a sua essência e propriedades) é característica marcante dos camelos, pois, resistem a altas temperaturas e escassez de recursos sem abalar as suas estruturas. As startups camelos são marcadas exatamente por isso, forte nível de resiliência para se adaptarem a escassez de recursos e instabilidade dos mercados e sobreviverem.
Nos últimos anos observamos o aumento da instabilidade econômica e volatilidade nos mercados mundiais de forma bastante acentuada. As economias dos grandes países estão sofrendo solavancos em suas contas e moedas, isso não é novidade, já que a volatilidade nos mercados é constante e nunca desaparecerá, o que muda são os ciclos de menor ou maior volatilidade. Isso sempre afeta as expectativas, alocações e decisões de investimentos dos grandes investidores e fundos de Venture Capital devido aos cenários de incerteza e quedas na economia: os dois principais fatores que inibem novos investimentos em mercados e empresas de risco.
Os fundos, que já captaram e possuem capital para alocação em novos investimentos, estão bem mais criteriosos em relação às empresas onde vão investir. Outros estão adiando ou congelando novas rodadas de aportes, fazendo com que novos deles demorem mais para serem fechados. Neste instante, é natural e mandatório que os fundos e investidores utilizem o seu capital para apoiar e proteger as empresas e seus portfólios. Chamamos esse movimento de “Fly to quality”, ou seja, apostar na qualidade de investimentos em detrimento a retornos e riscos elevados.
No mercado brasileiro, as novas startups têm sentido esse movimento de forma bastante elevada, porque têm encontrado dificuldades na aprovação de novos projetos e negócios por parte dos investidores. A forte aversão ao risco excessivo tem feito os investidores preferirem projetos mais seguros e muito bem fundamentados em posição e gestão de capital.
O grande erro das startups ainda tem sido a baixa gestão econômica e financeira dos seus projetos. A eficiência é mandatória em projetos de sucesso. É preciso ter um bom controle de alocação de capital nos projetos, aliado a uma boa capacidade de gestão e execução. É preciso controlar as contas, margens, riscos, alavancagem e retornos. Indo mais longe, as startups precisam ter efetividade na sua gestão de projetos, o que vai além da simples eficiência. Efetividade é a soma de eficiência (“fazer as coisas do jeito certo”) e eficácia (“fazer a coisa certa”), portanto, é preciso fazer as coisas certas do jeito certo!
Os principais pilares de uma empresa, independentemente de ser startup, estão relacionados aos objetivos e metas financeiras, comerciais, processos internos e desenvolvimento organizacional. As metas financeiras estão diretamente relacionadas com o planejamento estratégico da companhia, o qual determinará o seu ritmo de crescimento, posicionamento mercadológico, estrutura de capital suficiente e eficiente para suportar o seu crescimento e decisões sobre a alocação de capital. Os objetivos comerciais estão relacionados com a sua proposta de valor para o cliente, controle de margens e resultados, portfólio de produtos e posicionamento mercadológico.
Os processos internos estão diretamente ligados a plataforma sistêmica que dará suporte à estrutura de produtos da companhia, gestão de processos e áreas e controles internos, além de eficiência na gestão. Com as startups não é diferente. Elas precisam ter um plano estratégico bem estruturado, capital suficiente e bem dimensionado, para manter o seu ritmo de crescimento, processos internos bem mensurados, proposta de valor adequada ao seu nicho de atuação, atenção ao cliente e força de relacionamento, sistemas internos adequados e pessoal capacitado e motivado para cumprir as suas metas organizacionais. Traduzindo isso em 3 palavras: as startups precisam dar foco em gestão, gestão e gestão!
*Wagner Moraes é CEO da A&S Partners e especialista em novos negócios, reestruturação de empresas e fintechs