Fato relevante publicado ao mercado nesta terça, 13 de junho, dá conta de que sócios e administradores da Americanas cometerem fraudes e lançamentos indevidos da ordem de mais de R$ 20 bilhões. Os números são preliminares, não auditados, mas revelam um possível esquema para engordar as remunerações de seus executivos.
“Seis meses depois, a investigação conduzida pela própria empresa confirmou a fraude consubstanciada por lançamentos errôneos em seus balanços, com a conivência de seus administradores e assessores. Esta ‘pedalada contábil’ tinha por objetivo inflar os números da empresa, garantindo gordas remunerações a seus executivos”, avalia Fernando Canutto, advogado especializado em Direito Empresarial e sócio do Godke Advogados.
Segundo ele, não bastasse a fraude contábil, a contratação de empréstimos sem autorização devida “levanta a hipótese de conivência dos bancos parceiros que concederam os empréstimos, afinal, a lei e o senso comum dizem que, se alguém está contratando um empréstimo, é preciso ter certeza de que esse alguém realmente tem poderes para isso”.
A Americanas, que está em recuperação judicial, comunicou que as fraudes se davam por meio da chamada Verba de Propaganda Cooperada (VPC) – uma quantia negociada entre a indústria e o varejo e que serve, entre outras coisas, para cobrir eventuais custos com publicidade e propaganda. Além disso, a empresa admite a existência de operações de crédito e financiamentos que não foram contabilizados de forma adequada.
Matheus Falivene, que é doutor em Direito pela USP, com especialização em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, explica o caminho para a implicação criminal.
“O fato de admitirem que é uma fraude vai ter implicações criminais. Lógico que no âmbito criminal, incumbe à acusação, no caso o Ministério Público, comprovar que há um crime. Não basta a mera posição de sócio ou administrador para a responsabilização”.
Fenando Brandariz, advogado especializado em Direito Empresarial, Recuperação Judicial e presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Pinheiros, lembra ainda que “a sociedade deverá ingressar com ações indenizatórias contra os ex-administradores e diretores, se ficar demonstrado dolo nas operações até então denominadas de fraudadas”.
Crimes de ordem econômica, em sentido amplo, incluem as condutas que prejudicam o desenvolvimento do livre mercado, a produção e circulação de bens e serviços e a livre concorrência. A previsão de crimes econômicos na legislação brasileira (Lei 8.137/90) visa coibir práticas que podem gerar vantagens desleais a determinada sociedade ou grupo societário que se beneficia da ilegalidade para aumentar os lucros e dominar o mercado.
Já segundo análise de Wagner Moraes, CEO da A&S Partners e especialista em varejo, para manter o respaldo financeiro e lastro contábil, o custo das operações era reduzido utilizando como contrapartida contas patrimoniais de passivos a ativos da Americanas.
“Operações financeiras foram contratadas sem as devidas aprovações internas e consideradas na geração de caixa. O montante levantado e divulgado soma R$ 21,7 bilhões. Foram diretamente impactadas as contas de fornecedores, através das operações de forfaiting, ativos foram superavaliados, bem como o seu patrimônio líquido”, destaca.
De acordo com ele, a empresa que auditava a Lojas Americanas em 2023 era a PwC, uma das quatro maiores de consultoria e auditoria do mundo.
“A PwC foi responsável por avaliar as demonstrações financeiras da varejista, que revelaram um rombo de R$ 20 bilhões causado por operações de ‘risco sacado’. A PwC aprovou as contas da Americanas sem ressalvas na última auditoria de 2021, período alvo das ‘inconsistências contábeis’. A atuação da empresa de auditoria e dos profissionais envolvidos foi alvo de investigações por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Conselho Federal de Contabilidade.”
O economista explica que o forfait, também chamado de “risco sacado”, é uma operação financeira disponibilizada pelas instituições financeiras e uma prática realizada pelas empresas como modalidade para antecipação de recebíveis.
“Essa operação é bastante comum entre empresas do setor de varejo e funciona da seguinte forma: uma empresa recebe os produtos de seu fornecedor ou a execução dos seus serviços de forma antecipada ao pagamento. Assim, o valor e as formas de pagamento são acordados entre as partes de forma prévia. O fornecedor realiza a emissão de uma fatura com um prazo a ser financiado por um banco ou instituição financeira autorizada a oferecer essa modalidade, ou seja, o banco credor do risco sacado. No entanto, o valor de venda não é considerado pelo fornecedor em sua contabilidade quando essa operação é feita. Da mesma forma, a empresa que está pagando de forma antecipada também não reconhece o valor de saída em seu passivo oneroso. Em vez de considerar como ‘passivo oneroso’, a empresa coloca o valor do montante pago como passivo de fornecedores, ou seja, nas suas dívidas com fornecedores. Quando a empresa devedora capta recursos para pagar fornecedores antecipadamente, após o pagamento feito, é preciso baixar o saldo devedor da conta de fornecedores e registrar a dívida com o Banco que cedeu os recursos”.