Mobiliários coloridos, salas de descompressão, espaço para jogos e refeições, flexibilidade de horários e uma cultura diferente do formato ‘tradicional’ no mundo corporativo. Muitas big techs aderiram a estes formatos de trabalho mais parecido com playground para atrair e reter talentos. O Google, por exemplo, foi apontado por diversas vezes, como o melhor lugar para se trabalhar pela iniciativa de criar ambientes mais divertidos e quiçá despojado.
O Vale do Silício (Silicon Valley), conjunto de centros comerciais e parques empresariais e núcleos de fast food, se tornou o ícone cultural dos Estados Unidos há 20 anos, a partir do exato momento em que a empresa de tecnologia norte-americana Netscape comercializou o navegador inventado pelo inglês Tim Berners-Lee. O Vale do Silício modelou os Estados Unidos e o resto do mundo, provocou uma revolução na forma de se trabalhar e mudou a forma de as pessoas se relacionarem. Esse polo tecnológico trouxe a revolução digital que ditaria um novo padrão de conduta.
A maioria das empresas também inovou na disposição dos mobiliários e provocou uma disruptura nas relações do trabalho, até então, marcada por forte formalidade. Os jovens ganharam espaço e, junto com isso, trouxeram um novo padrão comportamental no ambiente de trabalho, deixando-o mais informal e inovador. A forma de se trabalhar passou a ser mais solta e “descomprometida” de horários e o padrão de produção estava relacionado ao grau de leveza na construção das soluções. Isso foi excelente para aquela época, pois, grandes empresas e soluções se ergueram para transformar o mundo e a tecnologia. Mas essa disruptura nas relações do trabalho não foi o suficiente para impedir a demissão em massa nas big techs.
E nos mostra que muito mais tem de ser analisado. A onda de desligamentos nas poderosas empresas de tecnologia indica intenso ajuste nas contas. Em janeiro deste ano, a consultoria Challenger, Gray & Christmas divulgou um relatório que apontou um aumento de 649% no índice de demissões no setor global de tecnologia – comparação feita entre 2021 e 2022. Algumas das Big Techs sinalizaram erro de cálculo nas contratações. Na Meta, foram preenchidas 15 mil vagas em nove meses. Mark Zuckerberg chegou a afirmar que teria percebido que boa parte das contratações foi mal calculada.
Na Amazon o aumento da demanda por e-commerce durante a pandemia da Covid-19 fez com que a empresa buscasse mais profissionais. Passados 12 meses, a visão foi de que toda a mão de obra contratada ficou ociosa com o ritmo desacelerado no e-commerce. E não é só isso.
Atualmente, observa-se um movimento de retração forte do mercado, à medida que a pandemia parece não ter mais fim, a inflação aumenta, o Federal Reserve eleva as taxas de juros, faltam matérias-primas, as tensões geopolíticas se agravam e a preocupação com uma recessão global fica cada vez mais evidente. Assim, muitos investidores têm optado por segurar as suas aplicações financeiras e venderem ações de empresas de tecnologia para alocação de recursos em ativos considerados menos arriscados. A Apple, à título de exemplo, perdeu no mês passado a sua posição como número 1 das empresas mais valiosas do mundo para a Aramco – produto de petróleo e gás da Árabia Saudita.
Diante desse cenário de forte retração econômica mundial, diante das instabilidades dos mercados e do consequente movimento de Fly to Quality, o ano de 2022 foi um período muito difícil para o mercado de tecnologia, com tendência de se aprofundar ainda mais ao longo de 2023. Depois de um grande progresso durante a pandemia, as big techs tiveram que reduzir custos e, assim, diminuir a mão de obra, que é um dos principais componentes de custos e rentabilidade das empresas. Ao longo do último ano, gigantes como Microsoft, Twitter, Meta, Tesla e Amazon noticiaram que estavam realizando demissões em massa ou congelando novas contratações. A Meta, empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, demitiu mais de 11 mil colaboradores, o que representa cerca de 13% da sua equipe de trabalhadores, já que a empresa possuía 87.314 funcionários no final de setembro do ano passado.
Além desse forte movimento de Fly to Quality, a instabilidade dos mercados, o que era previsto, a situação econômica global, principalmente nos Estados Unidos, a guerra na Ucrânia, a Web3 surgindo com força e empresas baseadas em blockchain batendo de frente com as grandes empresas do setor, também são fatores adicionais para as big techs reverem seus conceitos e posicionamentos, além de reformularem as suas estruturas. A demissão e redução de pessoal é mera consequência de tudo isso.
Seria injusto afirmar que o Vale do Silício era um método corporativo ilusório e fadado à decadência, pois, foi muito mais que isso e continua sendo o maior polo de negócios para as empresas de tecnologia e meios de pagamentos.
Diversas startups nasceram ali e ainda continuam nascendo. O Vale do Silício, incluindo São Francisco, ainda é – de longe – o maior centro de negócios para as chamadas tech startups. Podemos estimar ainda mais demissões, mas não graças a cultura mais arrojada de trabalho.